A propósito das últimas notícias relativas aos acordos entre Portugal e a Venezuela na área do maldito petróleo, lembrei-me de algo ocorrido há uns bons anos atrás, aqui, na Braganzónia.
Estava-se aí pelo ano de 1968, e lembro-me que era já Inverno porque as aulas no Liceu iam já adiantadas. Teria eu uns treze ou catorze anos. Foi notícia nos jornais regionais e nacionais, disso lembro-me bem, e perspectivava-se então a Braganzónia como uma das regiões mais ricas do mundo. Exactamente assim, sem mais considerandos, e sem qualquer pretensão amalucada, como hoje todos os dias se vê, de figurar no 'Guiness Book of Records', assim chamado na altura, mas de que praticamente ninguém havia ainda ouvido falar.
Um belo dia, ao chegar ao Liceu, a notícia trazia toda a gente em alvoroço, e nas aulas não se falava de outra coisa. Tinham descoberto petróleo na cidade! Sim, na mesmíssima cidade de Bragança! Mesmo no centro da urbe, e não em Lisboa, onde tudo sempre tinha e continua a ter, invariavelmente, de acontecer, ou num qualquer campo dos arrabaldes! E a descoberta dominava as conversas de rua em tudo quanto era sítio! Estudantes, Engenheiros, Doutores, o Povo, tudo falava do assunto com justificado entusiasmo!
O repugnante e mal-cheiroso fluído brotava sem parar, ao que se dizia, na cave de um prédio da Rua Abílio Beça, também conhecida por Rua de Trás, onde habitava e geria o seu negócio [taberna] um velho amigo de meu pai, já falecido. O sr. Manuel João. Homem que sempre tive por muito sério e honesto.
[Ao contrário de um dos seus filhos, o Leonel, bom rapaz, da minha idade e criação, que sendo grumete na Marinha nos anos 70, um dia aportados no sul de Espanha, teve a extraordinária habilidade de vender a fragata em que prestava serviço a um sucateiro espanhol. Isto foi verdade, e o Leonel, assim se chama ainda, felizmente, descoberto que foi o logro quando o espanhol subiu ao navio para tomar conta da aquisição feita, fez já a viagem de regresso a Lisboa comodamente 'instalado' nos calabouços da embarcação.
'Te gusta el barco? Si quieres, te lo puedo vender'! Assim, e com o adiantamento de alguns milhares de pesetas, começou, como ele próprio me confirmou anos mais tarde, este incrível 'negócio', quando o Leonel, ao desembarcar, viu no cais um espanhol, sucateiro de profissão, a olhar embasbacado para o navio.]
Ao que interessa! Nos dias seguintes à descoberta, várias análises foram mandadas fazer na Faculdade de Ciências do Porto, no próprio Liceu de Bragança, e tudo apontava para que 'aquilo' fosse mesmo petróleo. E do 'bom', segundo alguns 'especialistas' de ocasião!
Esta euforia durou vários meses, e chegou mesmo a ser exibido poucos dias depois, na montra do café do sr. Machado, na Praça da Sé, uma enorme aguarela ilustrando aquilo em que brevemente seria transformada a pachorrenta cidade. Na legenda, de que me não esqueci mais, podia ler-se: 'Antevisão do Futuro Complexo Petrolífero de Bragança'!
Nesse desenho, cuja existência actual desconheço, pois o seu autor, o Arquitecto Telmo Ferreira, faleceu há já vários anos atrás, podia ver-se como a cidade, com a 'milagrosa' excepção do Castelo, iria ser completamente arrasada para dar lugar a um enorme campo petrolífero com dezenas e dezenas de torres para extracção do tal petróleo, bem como a nova urbe, a localizar nas proximidades, moderna até mais não poder, onde todo o Povo passaria a viver que nem Nababos, pois se previa não haver casa ou quintal onde este não fosse encontrado em abundância...
Mais a sério, a explicação técnica para o fenómeno, dada por técnicos que por aqui andaram na altura, foi a de que o tal fluído [que corria efectivamente na cave daquela casa e era drenado para o colector de esgotos] seria resultante da desactivação do depósito de um posto de combustíveis situado a cerca de 500 metros mais acima, nas proximidades do Cemitério da cidade. A explicação foi aceite, o episódio acabou por cair no esquecimento, e hoje já poucos se lembram do 'petróleo do Manuel João'.
Mas sempre me ficou no ouvido uma conversa que eu própria tive com ele há meia dúzia de anos atrás, no decurso de um jantar, uns meses antes do seu falecimento. Já não lembro a que propósito, alguém falou neste episódio do petróleo e se teria sido ou não verdade. A sua resposta, no tom sério que sempre lhe conheci, foi a de que, vários anos passados sobre o levantamento do tal depósito de combustíveis, explicação oficial para o ocorrido, 'aquilo' nunca havia deixado de correr na cave da casa, que entretanto vendera. Que os seus motores de rega [tinha uma quinta nas proximidades] sempre haviam trabalhado com 'aquilo', e que 'aquilo' continuava lá, a ser despejado para o esgoto...
Pessoalmente nunca lá fui para ver correr o tal petróleo. Mas tenho para mim que o sr. Manuel João era um homem sério, honesto, e pouco dado a brincar com coisas sérias...